quarta-feira, 16 de março de 2016

Perspectivas Individualistas (1957) - por Emile Armand






(Tradução portuguesa do original aqui: https://www.marxists.org/archive/armand/1957/individualism.htm)

Os anarco- individualistas não se apresentam como proletários, simplesmente absorvidos na procura pelo aperfeiçoamento material, ligada a uma classe determinada a transformar o mundo e a substituir a actual sociedade por uma nova. Eles localizam-se no presente; possuem um desdém para orientar as gerações vindouras para uma forma de sociedade alegadamente destinada para assegurarem a sua felicidade, pela simples razão que de um ponto de vista individualista, a felicidade é uma conquista, uma procura interna individual.

Mesmo se eu acredita-se na eficácia de uma transformação social universal, de acordo com um sistema bem definido, sem direcção, sanção, ou obrigação, não vejo com que direito eu podia persuadir os outros de que esta era melhor. Por exemplo, eu quero viver numa sociedade da qual os últimos vestigios de autoridade tivessem desaparecido, mas, para ser honesto, não tenho a certeza que as "massas", para chamá-las pelo que são, sejam capazes de se dispensarem da autoridade. Eu quero viver numa sociedade em que os membros pensem por e para si próprios, mas a grande atracção que é exercida nas massas pela publicidade, imprensa, leitura fútil e pelas distracções subsidiadas pelo Estado fazem-me questionar se os Homens alguma vez serão capazes de reflectir e julgar com uma mente independente. Podem em resposta me dizerem que a solução da questão social irá transformar todo o homem num sábio. Esta é uma afirmação desnecessária, visto haver vários sábios sob todos os regimes. Visto eu não saber qual a forma de sociedade que mais provavelmente criará harmonia interna e equilíbrio na união social, refreio-me de teorizar.

Quando se fala de "associação voluntária" (adesão voluntária para um plano, um projecto, uma acção), isto implica a possibilidade da recusa de se associar, aderir ou agir. Imaginemos que o planeta se tivesse submetido a um sistema social ou económico único; como eu poderia existir se tal sistema não me satisfaz? Apenas me permanece um recurso: integrar-me ou perecer. É defendido que, a "questão social" foi resolvida, que já não existe um lugar para o inconformismo, a teimosia, etc... mas é exactamente quando uma questão foi resolvida é que é importante impor novas questões ou regressar a uma velha solução, apenas para evitar uma estagnação.

Se existe uma "Liberdade" localizada sob e acima de todos os indivíduos, esta é certamente nada mais do que a livre expressão das suas mentes, a manifestação e difusão das suas opiniões. A existência de uma organização social fundada numa unidade ideológica singular interfere contra toda a liberdade de expressão e de todo o pensamento ideologicamente oposto. Como poderia eu ser capaz de opôr-me ao sistema dominante, propondo outro, apoiando um retorno a um sistema anterior, se isto significa tornar conhecido o meu ponto-de-vista ou de as minhas críticas publicadas chegarem às mãos dos agentes do regime no poder? Este regime deve então aceitar ser comparado com outras soluções sociais superiores à sua, ou, apesar de terminar em "ista", reconhecer que não é melhor do que qualquer outro tipo de regime. Ou permitirá oposição, secessão, cisma, faccionalismo, competição, ou nada o distinguirá de uma ditadura. Este regime "ista" iria inegavelmente argumentar de que foi investido com o poder pelas massas, de que não exercita o seu poder ou controlo excepto pela representação de assembleias ou congressos; mas enquanto não permitisse aos intransigentes e refractários para exprimirem as razões da suas atitudes e do seu consequente comportamento, seria apenas um sistema totalitário. Os benefícios materiais na qual uma ditadura se orgulha não têm qualquer importância. Independentemente de seja qual for a escassez ou a abundância, uma ditadura é sempre uma ditadura.

É me perguntado porque eu chamo o meu individualismo de "anarco-individualismo"? Simplesmente porque o Estado concretiza a melhor forma organizada de resistência à afirmação do indivíduo. O que é o Estado? Um organismo que se proclama a si próprio como o representante do corpo social, para o qual o poder é alegadamente delegado, sendo este poder a expressão da vontade de um autocrata ou da soberania popular. Este poder não tem razão para existir senão para manter a estrutura social existente. Mas as aspirações individuais são incapazes de chegarem a um acordo com a existência do Estado, a personificação da Sociedade, pois, como Palante diz: "Toda a sociedade é e será exploradora, usurpadora, dominante e tirana. Isto não é por acidente mas por essência." No entanto o individualista não seria nem explorado, usurpado, dominado, tiranizado ou despojado da sua soberania. Por outro lado, a Sociedade é capaz de exercer limites sob o indivíduo apenas graças ao apoio do Estado, o administrador e dirigente de todos os assuntos da Sociedade. Independentemente para onde ele virar, o indivíduo encontra o Estado ou os seus agentes, que não se preocupam no mínimo se as regras que eles impõem estão de acordo ou não com a diversidade de temperamentos dos sujeitos sob os quais eles praticam administração. Desde as suas aspirações às suas reivindicações, os individualistas da nossa Escola decidiram eliminar o Estado. É por causa disto que eles se proclamam como "anarquistas".

Mas nos enganamos a nós próprios se imaginamos que os individualistas da nossa escola são anarquistas (AN-ARQUIA, etimologicamente, a negação do Estado pelo Homem, independentemente de outros assuntos) apenas em relação ao Estado - como as democracias ocidentais ou os regimes totalitários. Este ponto não pode deixar de ser sublinhado. Contra tudo o que constitui poder, isto é, poder económico tal como poder político, estético tal como intelectual, científico tal como ético, os individualistas rebelam e formam frentes, sozinhos ou em associação voluntária. Daí, um grupo ou uma federação pode exercer um poder tão absoluto como qualquer Estado, se aceita num determinado campo, todas as possibilidades de actividade e realização.
O único corpo social no qual é possível para um indivíduo evoluir e desenvolver é aquele que permite uma pluralidade de experiências e realizações, que se opõe a todos os grupos com base numa exclusividade ideológica, e que - por mais bem intencionados sejam - ameaçam a integridade de um indivíduo a partir do momento em que esta exclusividade pretende-se expandir aos que recusam aderir a tal agrupamento. Para chamar a isto anti-estatismo seria nada mais do que criar uma máscara para o apetite de liderar uma manada de ovelhas humanas.

Já disse acima que é preciso insistir neste ponto. Por exemplo, o anarco-comunista nega, rejeita e expulsa o Estado da sua ideologia; mas ressuscita-o no momento em que substitui a organização social pelo julgamento pessoal. Se o anarco-individualismo logo tem em comum com o anarco-comunista a negação política do Estado, do "Arconte", apenas aponta um ponto de divergência. O anarco-comunista mergulha-se a si próprio no planalto da economia, no terreno do conflicto de classes, unido como o sindicalismo, etc. (isto é do seu direito), mas o anarco-individualista localiza-se a si próprio no planalto do psicológico, e na resistência face ao totalitarismo social, que é algo completamente diferente. (Naturalmente, o anarco-individualismo segue vários caminhos de actividade e educação: filosofia, literatura, ética, etc., mas apenas quis aprofundar aqui apenas algumas pontos da nossa atitude perante o ambiente social).

Não nego que isto não é nada de novo, mas é lembrar uma posição da qual é bom relembrar de vez em quando.

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